Acoplamento aferente e eferente
O acoplamento “nasce” de diversas formas, mas assume apenas duas naturezas genéricas distintas: aferente e eferente.
O acoplamento aferente de um artefato – seja ele um componente, classe, função, etc – surge quando este é referenciado por outro. Quando, por exemplo, o código de uma classe “A” faz referência ao código de uma classe “B”, diz-se que “B” tem um incremento em seu acoplamento aferente. Por outro lado, o acoplamento eferente de um artefato surge quando este demanda (ou depende) de outro.
Artefatos com acoplamento eferente mais alto “quebram” com mais frequência, pois, além de sua qualidade interna, são fortemente impactados pela qualidade interna de suas dependências.
Artefatos com acoplamento aferente alto são potenciais “pontos de falha” graves. Afinal de contas, problemas em sua qualidade interna afetam todos os que dele dependem.
Um indicador derivado das métricas de acoplamentos aferente e eferente é a instabilidade. Trata-se da proporção, em um determinado artefato, de acoplamento eferente em relação ao acoplamento total.
Quanto maior a instabilidade ponderada de um conjunto de artefatos, em um determinado módulo, maiores são as chances de “quebra”.
O “problema” do banco de dados monolítico
O banco de dados é componente importante na maioria das aplicações.
Tradicionalmente, grandes aplicações concentram as informações de todos os seus módulos em um mesmo banco de dados. Uma das justificativas é que isso simplifica a integração entre estes módulos. O “problema”, entretanto, é que junto com a potencial simplicidade de integração há o crescimento do acoplamento aferente. Afinal, falhas no banco de dados são cada vez mais impactantes na medida em que mais “módulos” compartilham dele.
A eventualidade de decomposição de um sistema em serviços, ou microsserviços, preservando o banco de dados monolítico potencializa o problema.
CQRS: Segregação combatendo o acoplamento
Muitas aplicações LOB (Line-Of-Business) são projetadas para agrupar componentes conforme sua função primária. Não raro, a estratégia adotada classifica componentes em apresentação, negócio (juntando aplicação e domínio) e infraestrutura.
Cabe a camada de aplicação “traduzir” os inputmodels em comandos que, na prática, são solicitações para modificações de estado (mudança de dados percebíveis no longo prazo). Aliás, essa “especialização”, permite também a distinção, quando necessário, de métricas de performance importantes para operações de longa duração, habilitando ênfase de response time para a aplicação e de throughput para o domínio, através da inclusão de um componente para mensageria.
PROTIP: Certifique-se de adotar métricas apropriadas de performance para cada natureza de operação. Se uma operação demandar tanto response time quanto throughput, há claros indícios da necessidade de recorrer a abstrações assíncronas.
Tal medida, aliás, reduz o acoplamento aferente do domínio, tranferindo-o para o mecanismo de mensageria que, geralmente, tem menos demanda para mudanças e é ser mais “estável” (protocolo AMQP não recebe alterações desde 2012).
Esta segregação do negócio em modelos distintos para comandos e consultas (Command Query Responsibility Segregation – CQRS) literalmente “divide” o acoplamento aferente da camada de negócios em duas partes, aumentando o custo potencial de desenvolvimento, porém, geralmente, reduzindo o custo de manutenção, porém, aumentando o acoplamento aferente para o banco de dados.
Em cenários extremos, o próprio banco de dados pode ser “segregado” para funções de gravação e consulta (algo bem comum, se pensar na utilização de mecanismos de caching) com vistas a reduzir o acoplamento aferente desse componente, com impacto positivo na escala, mas negativo no custo.
PROTIP: Mensageria e caching são chaves para sistemas escaláveis. Porém, aumentam a complexidade da solução pelo incremento da dimensionalidade.
Combatendo acoplamento com abstrações
Um dos principais recursos para a redução o acoplamento aferente, pelo menos do ponto de vista estático, é a introdução de abstrações. Ou seja, a substituição das dependências de implementações concretas por abstratas, como interfaces e/ou contratos.
As abstrações tendem a se tornar “difíceis de mudar” na medida em que o software vai sofrendo adaptações, com a criação de mais implementações concretas.
Entretanto, bem mais comum (e bem menos controlada) é a proliferação de artefatos “consumidores”, operando através de inversão de controle ou mecanismos de descoberta.
Essa “proliferação descontrolada”, aliás, é a justificativa para que aprimoramentos sejam explicitados em abstrações novas, de maneira a não quebrar contratos mais antigos e potencialmente não evidentes.
O volume de abstração também é uma métrica arquitetural interessante. De maneira simples, trata-se da proporção, em um determinado escopo, da quantidade de abstrações com relação a quantidade de implementações concretas.
O “lado ruim” da testabilidade
O “lado ruim” de IRepository
Uma prática comum em implementações baseadas em Domain-driven Design é a separação entre contrato (interface pública) para repositórios, geralmente colocados no mesmo pacote destinado aos objetos que formam o modelo do domínio, das implementações concretas. A justificativa mais comum é dar “liberdade” para a eventualidade de trocar a tecnologia de persistência. Outra justificativa, é facilitar a escrita de testes automatizados.
O “lado ruim” das APIs públicas
APIs públicas tem acoplamento aferente dinâmico difícil de medir. Entretanto, como se sabe, quanto mais bem sucedidas, geralmente maior será tal acoplamento e, consequentemente, maiores serão as dificuldades para evoluir. Essa é a razão principal para o versionamento eficiente dos contratos públicos, com políticas claras para descontinuidades.
O “lado ruim” das arquiteturas event-driven
Outro “antídoto” comum para a complexidade aferente é adoção de comunicação através de eventos. Aliás, essa é uma “bomba” contra o acoplamento que, como tal, acaba tendo efeitos colaterais nem sempre desejáveis.
Sistemas baseados em eventos demandam o planejamento de coreografias, regulando o comportamento dinâmico, tremendamente difíceis de entender sem o suporte de documentação eficiente.
A alternativa é a introdução de componentes especificamente dedicados a orquestração, porém, estes, acabam comprometidos por terem alto acoplamento aferente.
Determinando o volume ideal de abstrações
O volume ideal de abstrações tem relação direta com a instabilidade observada. Quando maior a instabilidade de um artefato, menor a necessidade de uma abstração que alivie seu acoplamento aferente. Por outro lado, artefatos com baixa instabilidade “gritam” por abstrações.
No gráfico indicado acima, artefatos que se posicionem no canto superior-direito se encaixam na zone of uselessness, ou seja, código tão abstrato que se converte em algo difícil de manter. No outro extremo, artefatos que se posicionem no canto inferior esquerdo estão na zone of pain, ou seja, acoplamento aferente extremamente elevado sem o “alívio” de abstrações que habilitem testabilidade e novas implementações.
A medida de desequilíbrio entre a instabilidade e o volume de abstrações de um software pode ser determinada pela distância da condição atual e a proporção adequada.
Modularidade
Um módulo é, por definição, um agrupamento de unidades independentes que pode ser utilizado para a composição de estruturas mais complexas.
No dia-a-dia, os desenvolvedores têm diferentes recursos para expressar modularidade. Começando pelo nível básico, em métodos e funções, até níveis mais altos, como classes, pacotes ou namespaces e assemblies – todas essas opções com diferentes práticas e políticas para regras de escopo e visibilidade. Quanto mais frágeis as “fronteiras” de cada módulo, maiores são as dificuldades para o evolvability.
Módulos muito grandes são, por associação, mais complexos, logo, demandantes de maior esforço cognitivo para o entendimento. Por conta disso, precisam ser mantidos por times com mais integrantes, com custo mais alto de gestão. Módulos muito pequenos geralmente são menos coesos e com mais demanda para acoplamento eferente, por isso, muito mais instáveis.
O tamanho certo para os módulos de um sistema de software extrapolam características técnicas e tem relação direta com o nível de maturidade das organizações que os mantém.
A coesão do módulo é determinada pela clara ligação entre os artefatos que o constituem. Quanto menor a coesão, maiores as chances de erosão.
A modularização é um recurso fundamental para a gestão do acoplamento.
O “lado ruim” de microsserviços
A fragmentação de microsserviços é, em essência, uma estratégia para definição da modularidade de um sistema de software, mas não é a única!
Sob a perspectiva da gestão do acoplamento, microsserviços agrupam uma série de artefatos – incluindo código, banco de dados, mecanismos de replicação, etc – localizando o acoplamento entre eles, tentando preservar a coesão. Além disso, têm suas funcionalidades expostas de maneira controlada e bem versionada.
Algumas verdades inconvenientes
Um sistema não pode ser composto apenas por componentes estáveis. Partes do software que precisam ser adaptadas com mais frequência devem ser aquelas com menor acoplamento aferente e maior acoplamento eferente, logo, com menos abstrações.
Algumas implicações da análise do acoplamento são:
- O frontend das aplicações é, geralmente, o conjunto de componentes que mais demanda adaptações, por isso, geralmente, não é bom local para soluções mais sofisticadas e abstrações inteligentes.0Você concorda?x
- APIs externas, embora menos demandantes de adaptações, também precisam ser instáveis para a maioria dos domínios, por isso não devem ser projetadas para ter alto acoplamento aferente. Assim, quase sempre é preferível, por exemplo, desenvolver uma API externa para atender desktop e outra para dispositivos móveis, movendo a parte “estável” para uma camada de APIs internas.0Você concorda?x
- Não “fechar” com algumas tecnologias – como bancos de dados, por exemplo – introduz a necessidade de abstrações que, naturalmente, tem complexidade aferente mais alta e acabam dificultando o evolvability.0Por favor, deixe seu feedback aquix
- Abstrações em demasia são demonstrações explícitas de ingenuidade inteligente.1Você concorda?x
Para toda jornada é necessário ter o nível adequado de “bagagem”
Acoplamento é inevitável mas, sem os cuidados adequados, pode atingir níveis insustentáveis. Criar “pontos de acoplamento” é fácil e, depois disso, remover é difícil.
Arquiteturas de software de qualidade são, acima de tudo, aquelas que evoluem mitigando necessidades para o acoplamento. Além disso, é parte das práticas de arquitetura de software monitorar e estabelecer estratégias para lidar com o acoplamento quando ele surgir. Entretanto, não ignoremos o fato que toda escolha implica em uma renúncia. Sempre haverão trade-offs. Nada é bom para tudo! Reduzir o acoplamento aferente implica, muitas vezes, em introduzir abstrações, o que aumenta a complexidade pela dimensionalidade e pela irreversibilidade.
// TODO
Antes de avançar para o próximo capítulo, recomendo as seguintes reflexões:
- A estratégia de modularidade do software em que você está trabalhando colabora para a mitigação de causas para acoplamento?
- Os testes automatizados estão “exigindo” abstrações de maneira razoável?
- Que artefatos de sua solução tem alto nível de acoplamento aferente?
- Os artefatos com acoplamento aferente tem níveis adequados de testes automatizados?
- As abstrações com acoplamento aferente mais elevado tem estratégia clara de versionamento?
Excelente!
Entao deve-se postergar a escrita dos testes unitarios?
De forma alguma. O ponto é “priorizar” os testes de unidade.